Quando dizemos que o machismo tem caráter estrutural precisamos compreender que as práticas e seus efeitos nefastos estão enraizados na estrutura da sociedade e ditam as formas como as pessoas se relacionam, seja no âmbito íntimo ou público. Esse entendimento é fundamental para que se busquem formas de romper a lógica que perpetua as relações de dominação e poder entre homens e mulheres.
No meio profissional, exemplos de opressão movida pelo machismo são frequentes em todas as áreas. O assédio moral e sexual consistem nas situações mais facilmente identificadas de abuso no trabalho, mas há diversos tipos de práticas machistas. Um exemplo frequente é a atribuição de tarefas e incumbências diversas à atividade profissional a mulheres, como se sua função fosse assessorar ou assistir a colegas homens. Outra forma recorrente de machismo consiste no silenciamento das mulheres por meio da supressão de suas falas e contribuições em reuniões e na rotina – ou a apropriação de suas ideias.
A dificuldade de denunciar ou mesmo de reagir está muitas vezes relacionada à não compreensão do que pode ser considerado um abuso ou excesso motivado por questões de gênero. Outro obstáculo para o enfrentamento é o medo que muitas mulheres sentem de sofrer retaliações ao denunciar situações.
O Sindjus conversou com algumas trabalhadoras (cujos nomes foram preservados) para colher relatos sobre o machismo no ambiente de trabalho vivenciado ou testemunhado por elas. Muitas contam que no momento em que as situações ocorriam elas não reconheceram de imediato que estavam sendo submetidas a condutas machistas por parte de superiores e mesmo de colegas na mesma posição hierárquica.
O debate sobre essas situações e a forma de enfrentá-las será um dos pontos da atuação do coletivo de mulheres do Judiciário, que está começando a ser articulado, conforme aponta a diretora Janete Togni. “Quando nos unimos, trocamos experiências e pensamos juntas, fortalecemos nossa atuação para enfrentar as diversas formas de opressão”, destaca. A proposta do Sindjus é que a construção do coletivo e sua forma de ação se dê de maneira “democrática, horizontal e plural, a fim de fomentar na categoria o debate permanente sobre a importância da ampliação dos espaços de protagonismo feminino e do enfrentamento ao machismo”, pontua a dirigente.
Confira alguns depoimentos:
Depoimento 1
“O que mais me deixa triste, referente aos processos da Lei Maria da Penha, é quando as pessoas ficam comentando que as mulheres têm mesmo que apanhar, pois no outro dia algumas delas virão chorando para retirar a denúncia, ou por que se acertaram com o companheiro ou por que aceitam ficar num relacionamento abusivo. Para essas pessoas, é fácil se separar, mas elas não avaliam as condições e as realidades dessas mulheres que sofrem esse tipo de violência.” (R.P)
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Depoimento 2
“As típicas frases machistas sempre aparecem disfarçadas, colocando a culpa ou a responsabilidade na mulher. Lembro de uma que me marcou, pois escutei de um chefe há algum tempo: ‘É por isso que não gosto de trabalhar com mulheres. Em cartório onde há mais homens que mulheres, o trabalho flui melhor.’” (F.M.S.S)
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Depoimento 3
“A chefia foi trocada no período em que eu estava em licença maternidade. No meu retorno, o novo coordenador passou a desconsiderar todas as contribuições e reduziu as minhas atribuições. Em certa ocasião, depois de tantas negativas, sugeri a um colega homem que ele apresentasse a minha proposta. A ideia foi acolhida e o colega parabenizado pela contribuição. (J.C.P)
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Depoimento 4
“Às vezes, percebemos que os jurisdicionados (quando homens) parecem validar mais o atendimento de um outro homem no balcão do que de uma mulher, por exemplo. Isso é uma questão da sociedade mesmo. Sabemos que às vezes as nossas vozes não são validadas, infelizmente. É uma luta constante.” (D.A.C)
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Depoimento 5
“Ao assumir um cargo de chefia, um colega perguntou, em tom de brincadeira (fique atenta a isso), com quem eu estava me relacionando sexualmente para ter alcançado aquela posição.” (J.A)
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Depoimento 6
O mais assustador é que quando vocês está no meio desse redemoinho demora muito para cair a ficha, para entender que tu tá realmente sendo vítima desse tipo de violência, que tá sendo assediada. (…) Eu tive que protelar tratamentos médicos, por que o assédio que eu sofri foi nesse sentido. (…) Nós, mulheres, temos que lutar duplamente contra o assédio e contra o machismo que está por aí. Vamos continuar firmes para luta para coibir qualquer tipo de de agressão, de violência e de discriminação.
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Depoimento 7
“Todas nós Mulheres, sofremos em maior ou menor grau com o machismo estrutural desde tenra idade, no seio da família, nas relações de amizade, na Escola. Surgiram várias lembranças:
Aos 23 anos, trabalhava em um Banco privado, lá pelos idos Anos 80, quando tive meu primeiro filho. Logo no retorno da LM fui demitida da função, sem nenhuma justificativa ou razão aparente, mas todos, todos, sabiam que essa era a praxe da época.
Mulheres casadas e mães já não serviam mais ao modelo padrão vigente.
A licença maternidade é vista como algo dispendioso e caro pelo empregador. Depois a mãe ainda terá que se ausentar para levar o filho ao Pediatra quando adoece, talvez precise de uma alguma licença para cuidar do bebê, tudo isso incompatível com uma visão capitalista em que o machismo estrutural está inserido, nos colocando assim em uma posição de subalternidade e exploração. Ali se encerrava a breve carreira como bancária.”
(Eva)
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Depoimento 8
“Era final de carreira, já no Judiciário, faltando pouco tempo para a Aposentadoria, veio uma relotação de Cartório. Aquelas mudanças que normalmente nos deixam desolados, depois de tantos anos trabalhando em um mesmo lugar. Deixar bons Colegas e uma zona de conforto onde conhecemos bem o trabalho e as rotinas, não é tarefa fácil, muitas vezes, causa dores e mágoas.
Nesse cenário autoritário e sem mais diálogos, fui desalojada para outro lugar. Limpei gavetas, enxuguei lágrimas e fui, porque no Judiciário não tem conversa, tem ordens à serem rigorosamente cumpridas. Era preciso vestir um santo e desvestir outro, e claro com algum grau de maldade de alguma Chefia. Quem ler esse texto, sendo um funcionário do Judiciário irá entender do que falo, especialmente se for um ou uma Oficial Escrevente.
No início a acolhida no novo Cartório foi boa, depois comecei a sofrer uma espécie de assédio moral por parte de um Colega também OE e a coisa descambou e se misturou assédio com atitudes machistas sutis e crescentes.
Ele fazia o tipo temperamental, as vezes mal educado, em dados momentos bem alegre e solícito, em outros irritado e estúpido.
Eu recém chegando no ambiente, estranhei as condutas; todas as Mulheres do Cartório baixavam a cabeça para ele e riam das piadas sem graça e se calavam diante das grosserias, talvez por medo de se contraporem ou por achar normal e aceitável esse tipo de comportamento vindo de um homem.
Eu não ria das piadinhas sem graça, tampouco dava razão para ele em tudo como faziam as demais Colegas. Bastou para que se desse conta que ali havia uma resistência, então se abriu um portal de dissabores para mim.
O machismo aparecia quando desqualificava minhas falas, discordava de tudo que eu elaborava e não admitia contrariedades de pensamento em questões de trabalho e até mesmo em outros assuntos. Ficava muito irritado e certa vez chegou a levantar a voz, de um jeito bem intimidatório.
Na época foi bem sofrido para compreender que estava sendo assediada e que não tinha dado causa, tampouco tinha culpa acerca do que estava acontecendo, coisas que a terapia me ajudou a resolver. É um padecimento real.
Hoje vejo esse tipo de comportamento, esse fato, como parte do machismo estrutural que permeia as nossas relações. As vezes se mostra de forma sutil, tipo um sorriso irônico, ou então, interrompendo as falas, dizendo ainda “acho que ela quis dizer isso ou aquilo” mas também de forma escancarada e até agressiva como narrei.
Espero que com esse depoimento possa ajudar outra Mulher em algum grau a saber identificar que está sendo assediada e que possa aprender a se proteger. Não se deixe calar!”
(Eva)
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