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Uma das páginas mais  bonitas – e importantes – da nossa história é, na minha opinião, o Movimento da Legalidade, que ocorreu em 1961 e, no mês de agosto, completou 60 anos. Tudo começou quando, no dia 25 daquele mês, Jânio Quadros renunciou ao mandato de Presidente da República. O motivo dessa renúncia é, até os dias de hoje, um mistério completo. Entretanto, aquilo aconteceu e naturalmente deveria assumir o Vice-Presidente João Goulart, o Jango, conforme os termos da Constituição Federal de 1946, que era a que estava em vigor. 

Nesse tópico, vale a pena lembrar que, naquele tempo, o candidato à presidência e o candidato à vice concorriam em chapas separadas, o que dava à Jango uma legitimidade ainda maior, posto que ele havia sido eleito Vice-Presidente da República. Apesar disso, logo após a renúncia de Jânio Quadros, os ministros militares revelavam ao país que não pretendiam dar posse a Jango, criando uma série de justificativas absurdas, onde a mais comum era de que ele era um “comunista” e que levaria o país por um caminho “socialista”. 

Isso era totalmente falso, tipo uma fake news da época, mas, mesmo que fosse verdade (o que até seria muito bom), a posse de João Goulart era o que determinava a Constituição e, portanto, impedi-la era um golpe militar. Assim que soube da intenção dos comandantes das forças armadas, o então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, reuniu seu secretariado, mais amigos e companheiros de partido, para comunicar que não aceitaria esse golpe em hipótese alguma. Jango não tomar posse não era uma opção. 

Ao mesmo tempo, era divulgado um manifesto do General Lott, que era um nacionalista, pregando a posse de Jango. Brizola mandou divulgar o manifesto nas rádios, junto com sua opinião, mas todas as rádios que fizeram a referida divulgação tiveram seus transmissores, que eram chamados de “cristais”, bloqueados pelos ministros militares. Brizola ficou furioso.  Reunido com pessoas de sua confiança, resolveu iniciar um movimento que deveria mobilizar a opinião pública contra o golpe, quando recebeu a sugestão do jornalista Hamilton Chaves de que precisaria de grande comunicação radiofônica, uma vez que o rádio era o melhor meio de comunicação de massas da época. 

Como a Rádio Guaíba não havia divulgado o manifesto de Lott e a posição de Brizola, seus transmissores estavam intactos e desbloqueados, o que propiciou que o governador gaúcho requisitasse os cristais para começar suas comunicações. Foi o que fez e, a partir de então, sob a coordenação do engenheiro Homero Simon, montou um estúdio nos porões do Palácio Piratini, de onde passou a falar – diariamente e por horas a fio –  com a população de Porto Alegre, do Rio Grande e do Brasil.

O Movimento da Legalidade, ou simplesmente Legalidade, tomou esse nome porque seu objetivo era exatamente cumprir a lei e colocar em prática o que a Constituição Federal determinava. Foi formada uma verdadeira cadeia de rádios em todo o país, uma vez que 104 emissoras juntaram-se à Rádio Guaíba para transmitir os fortíssimos discursos de Brizola exigindo a posse de João Goulart como Presidente da República do Brasil. 

O país fervia. Na Praça da Matriz, em Porto Alegre, juntavam-se diariamente mais de 100 mil pessoas para ouvir Brizola e se apresentar para a resistência. A capital do nosso Estado recebia cada vez mais gente, que vinham de cidades de todo o país, motivados pela causa da Legalidade, dispostos a resistir sob o comando de Brizola. 

Eram momentos tensos e de uma consciência cívica impressionante, muitos percebendo que estavam realizando uma verdadeira epopeia. Eu, uma criança de 5 anos na época, tive depois a oportunidade de conhecer e dialogar com inúmeros participantes do movimento, começando pelo jornalista Isnar Ruas, meu pai, e chegando até as muitas conversas com o próprio comandante Leonel Brizola. 

Com as ameaças de bombardeamento do próprio Palácio Piratini, Brizola pediu que as pessoas não fossem mais para a praça ou para o Palácio, mas ele ficaria ali, onde era governador e de onde comandava todo o movimento. 

Naqueles dias, o militar que comandava o III Exército, General Machado Lopes, aderiu à Legalidade e a correlação de forças mudou muito a favor de Brizola, que passou a contar com força militar considerável. As cartas estavam lançadas e Brizola não recuaria, o que era a posição também de todo o povo organizado. 

Os comandantes militares se assustaram, sabiam que defendiam a causa errada, e recuaram. Aceitaram a posse de Jango sob determinadas condições (posteriormente modificadas, como o parlamentarismo) e a Legalidade foi considerada vitoriosa. 

Hoje, passados exatos 60 anos, é nosso papel homenagear esse movimento ímpar da história do Brasil, onde o povo se organizou em resistência ao golpe e teve no seu comando o grande brasileiro Leonel Brizola!

 

Pedro Ruas é advogado e vereador de Porto Alegre (PSol). Ex-deputado estadual, tem um história de luta pelos trabalhadores e pela democracia.