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“Uruguaia de nascimento, brasileira de coração e cidadã do mundo”. Assim se define a militante Rosa Beltrame, nossa entrevistada especial no mês da mulher. Figura conhecida nas rodas de conversa de política e movimentos sociais, a entrevista da militante surgiu como uma espécie de representação do slogan do Sindjus: só a luta muda a vida. O sotaque “portunhol” enfeita a narração de passagens de sua história, marcada por grandes momentos, desafios e conquistas. 

 

“O medo não é palavra de mulher”

Em seu país de origem, Rosa muito cedo integrou a luta política, ainda no movimento estudantil. Sua primeira prisão se deu no início da década de 1970, num contexto de repressão em toda a América Latina. Da violência sofrida no período, Rosa teve dois filhos.

Ao chegar no Brasil há 46 anos com as crianças, teve que viver na clandestinidade nos primeiros anos no país. Em Porto Alegre, Rosa iniciou sua jornada de lutas pelo direito à moradia. Atuou na formação e luta pela regularização de ocupações que mais tarde viriam a formar os bairros Morada do Vale, Leopoldina e Parque dos Maias. Também foi uma das principais responsáveis pela criação de pontes de integração para a comunidade uruguaia que se formava na capital gaúcha com a crescente vinda de imigrantes do país vizinho em meio ao caos social e político no continente.

Apesar de não conseguir concluir a faculdade de medicina no Uruguai, o desejo de trabalhar no cuidado com a saúde seguiu, e Rosa fez já no Brasil a formação como técnica em enfermagem. O trabalho levou seu caminho de lutas também ao meio sindical, no qual ela atuou, através do Sindisaúde, por melhorias na jornada e condições de trabalho para as trabalhadoras e trabalhadores de hospitais. 

 

“As boas construções sempre são coletivas e plurais”

De lá para cá, Rosa ingressou nas mais diversas frentes, sempre ao lado da classe trabalhadora e dos segmentos mais injustiçados da sociedade. Seu currículo só não é maior que sua disposição para seguir na militância social.

Há décadas, a uruguaia é militante do Movimento de Participação Popular (MPP), partido de Pepe Mujica que integra a Frente Ampla, e no Brasil, apesar de atuar na organização política do Partido dos Trabalhadores (PT), não hesita em participar das mais diversas mobilizações ombreada com todos que, segundo ela, representem a luta dos trabalhadores, construindo vínculos de amizade e companheirismo com pessoas de todas as idades e movimentos do campo progressista. “Todas as lutas são importantes”, enfatiza Rosa, que também integra a coordenação regional da Central de Movimentos Populares (CMP). 

Um enfisema pulmonar, descoberto em 2015, levou Rosa a dificuldades de locomoção e à indicação de uso de cadeira de rodas. Repetindo o gesto solidário que permeou sua vida, os amigos fizeram uma vaquinha para a aquisição de uma cadeira movida a eletricidade. Sua situação motivou uma nova frente de combate: a luta pelo próprio tratamento de saúde. Recentemente, a utilização do óleo de canabidiol proporcionou melhorias significativas na qualidade de vida da militante, que já consegue fazer alguns breve deslocamentos sem a cadeira, e que agora também luta pela inclusão da substância no rol de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde.

Não há tempo nem conjuntura para descansar. Atenta aos problemas da cidade, combate junto aos movimentos de defesa dos serviços públicos a sanha privatista dos governos estadual e municipal. Além disso, investe em mais uma formação: atualmente, Rosa está envolvida com os estudos para atuar junto ao Judiciário estadual como mediadora de conflitos e, assim, inaugurar sua participação em uma nova trincheira. 

 

Sin perder la ternura jamás

Em sua casa, que considera um “comitê popular”, a militante abriga uma vasta biblioteca de formação política, materiais de campanhas e bandeiras partidárias e de movimentos sociais. “O mundo está se transformando, pelas mulheres, pelos jovens, pelas lutas”, declara, entusiasmada. Com leveza até para falar dos temas mais difíceis, a lutadora de todas as causas não economiza sorrisos e palavras encorajadoras. Sua serenidade mostra que sua trajetória, que poderia tê-la endurecido, a fortaleceu sem roubar sua alegria, sem tirar sua ternura. Seu modo de viver e ver o mundo se traduz em sua definição: “mulher é resistência, é enfrentamento”. Que sua história sirva de inspiração para as lutas das mulheres de hoje e de amanhã. 

 

Assista a entrevista completa: https://www.youtube.com/watch?v=aG42kdkRhkQ