O ano de 2020 tem sido atípico em todos os sentidos. Tanto para o bem quanto para o mal. Para a grande maioria da população brasileira, em especial a população negra, essa atipicidade tem se mostrado destrutiva, principalmente em tempos de pandemia de coronavírus.
Para além das fronteiras brasileiras, a pandemia não foi páreo contra a doença do racismo, pois os episódios de assassinato de negros por policiais norte-americanos se seguiram, criando uma grande ação mundial contra o racismo com a campanha “Vidas negras importam”. Ou seja, nem a pandemia de coronavírus impediu o avanço da doença do racismo e suas consequências.
Quanto à campanha, quase mundial contra o racismo, infelizmente nosso país não aderiu, pois o governo brasileiro (racista) e dos Estados compactuam com o tipo de tratamento dado à população negra, no tocante a não melhoria nas condições de vida dessa população em especial na área da educação, bem como numa política de investimentos efetivos nas centenas de favelas espalhadas por todo o país, fruto dos mais de 400 anos de escravismo e da falsa abolição, que jogou a população negra escravizada na rua, sem direito ao trabalho remunerado, sem casa, sem condições efetivas de ter uma vida digna, diferente do que foi ofertado aos imigrantes europeus e asiáticos com o fim da escravidão no Brasil.
Tais indicativos, histórico e social, são basilares quando se quer falar da Semana da Consciência Negra (que só existe no Brasil) e quiçá, nos dias de hoje, na possibilidade do “Mês da consciência Negra” ou no “Novembro Negro”. Novembro este que nos possibilitaria abrir inúmeras frentes de discussão sobre o papel do/a negro/a na construção deste país. Novembro esse que nos remeteria a refletir sobre o porquê das favelas brasileiras possuírem na sua maioria famílias negras pobres, alto índice de mortalidade infantil, índice de saneamento básico baixíssimo, índice educacionais que dificilmente saem dos baixos padrões, controle quase que absoluto do tráfico e das milícias sobre o poder do Estado, sem contar a exclusão a bons padrões remuneratórios para quem tem trabalho assalariado.
Sim, poderíamos refletir, porque ainda hoje negros e negras são assassinados pela polícia, como se fossem fadados ao extermínio, pelo simples fato de terem a pele negra. Refletir sobre a inércia do Ministério Público, quando um delegado de polícia, na cidade de Santa Maria/RS não indicia um PM que “confundiu” um homem negro trabalhador com um assaltante em fuga, pelo simples fato desse negro estar se protegendo de um tiroteio. E o Judiciário, conivente com a situação, concorda com a tese da promotoria e o Juiz, tão racista quanto o promotor e o delegado, “arquiva” o caso. Para a imprensa, como ele era um negro trabalhador, não tem muita importância.
Que o “Novembro negro” possa nos chamar atenção para investirmos contra o estereótipo racista que emerge, todo dia contra a população negra desse país.
Por fim, que possamos de fato pensar em mudar o Brasil, acabando com o “jeitinho brasileiro”, e todas as formas de racismo, com o enriquecimento ilícito, com o extermínio da juventude negra. Apostando em melhorias na saúde da população negra, além de programas de incentivo a educação das relações étnico-raciais, permitindo a inclusão e permanecia da população negra nas escolas, e assim criando perspectivas de um futuro melhor, a mais da metade da população desse país.
Nosso papel como trabalhadores do Poder Judiciário, o poder mais encastelado do Estado brasileiro (vide os sobrenomes de seus Juízes e desembargadores), é de efetivamente lançarmos nossas reflexões e ações em prol da melhoria de uma parte da população brasileira, ainda hoje excluída de oportunidades e que poderão mudar o futuro, não só da população negra, mas do progresso desse país como nação.
Luiz Mendes
Oficial Escrevente na Comarca de Guaíba
Mestre em Educação
Ativista do Mov. Negro Brasileiro