A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli publicou artigo no portal Monitor Mercantil, analisando as manifestações que permearam o evento promovido pelo banco Credit Suisse, no último dia 26 de janeiro e as pressões do mercado para dar andamento às reformas.
No mesmo evento, o governador Eduardo Leite também se manifestou, pedindo que a reforma administrativa (PEC 32/2020) tenha efeitos imediatos e que deveria ser “mais ousada”. A fala do governador, alinhada com a de Bolsonaro e Guedes, trata como se a destruição dos serviços públicos fosse a solução para os problemas econômicos do país e do RS.
No entanto, a ironia das falas, conforme aponta Fatorelli, está no fato que o banco Credit Suisse, a instituição financeira promotora do evento, foi “salvo” com dinheiro público na crise financeira iniciada em 2007. Ou seja, a presença do Estado serve para atender os interesses do mercado, e não para atender os interesses públicos.
Confira o artigo:
Estamos sob a ditadura do capital
No dia 17/1/2021, uma economista do banco privado Credit Suisse deu um ultimato ao Brasil: “O Brasil tem seis meses para realizar reformas e equilibrar as contas públicas. Caso isso não ocorra, o preço do dólar, os juros e a inflação vão subir e o país perderá a credibilidade perante os investidores.” (…) “a prioridade do governo deve ser aprovar a PEC Emergencial, que cria vários mecanismos para reduzir salários de servidores e outras despesas em caso de crise fiscal, e a reforma administrativa.”
Além da petulância da declaração, que caracteriza ofensa à nossa soberania, a ameaça contém um recado muito claro do que o mercado financeiro quer:
1 – que o Brasil mantenha a amarra do Teto de Gastos constante da Emenda Constitucional 95, que limitou todos os investimentos na estrutura do Estado e em serviços prestados à população, mas deixou fora do teto, sem limite ou controle algum, os gastos com a chamada dívida pública;
2 – que seja aprovada a “PEC Emergencial”, apelido dado à Proposta de Emenda Constitucional 186, que cria gatilhos automáticos para cortar salários de servidores e outros gastos públicos, a fim de destinar tais recursos para o pagamento dos gastos com a dívida pública;
3 – que seja aprovada a PEC 32, chamada de “reforma administrativa”, mas que na verdade corresponde à destruição completa da estrutura do Estado, abrindo a possibilidade de privatização generalizada de todos os serviços públicos, o que certamente representa grandes oportunidades de negócios para o mercado.
Na última terça-feira (26), obedientemente, o presidente da República e o ministro da Economia participaram de reunião organizada pelo mesmo banco privado Credit Suisse. Bolsonaro e Guedes bateram continência aos ditames do mercado e se comprometeram a obedecer ao teto de gastos e avançar com ditas reformas, anunciando ainda que o auxílio emergencial não será permanente e que as privatizações irão avançar mais ainda!
Em primeiro lugar, temos que questionar: quem é o banco privado Credit Suisse para falar em credibilidade com o país? O Credit Suisse foi um dos bancos “salvos” com dinheiro público por ocasião da crise financeira iniciada em 2007, cuja principal causa foi a crise bancária decorrente do abuso na utilização de derivativos sem lastro.
Conforme auditoria governamental realizada no Banco Central norte-americano (Fed) pela Agência de Contabilidade Governamental dos Estados Unidos da América do Norte, o Credit Suisse recebeu US$ 262 bilhões de dinheiro público para não quebrar!
Em segundo lugar, todas as medidas que o mercado deseja vão na mesma linha: impedir investimentos públicos para que sobrem mais recursos para a chamada dívida pública, que nunca foi auditada e que está repleta de mecanismos ilegais e ilegítimos, a exemplo da remuneração da sobra de caixa dos bancos, que custou ao Tesouro Nacional R$ 3 trilhões em 10 anos.
Como sempre, o mercado ignora a condição do povo brasileiro, submetido a uma das condições mais desiguais e injustas do mundo! O absurdo está na atitude das autoridades do país, que se ajoelham aos ditames do mercado, aceitando sacrificar mais ainda a população brasileira com o desmonte do Estado e dos serviços públicos previstos nas propostas PEC 32 e 186, como analisamos em artigo recente, disponível no site da Auditoria Cidadã.
Não resta dúvida alguma de que vivemos sob a ditadura do capital em nosso país. Por isso “É Hora de Virar o Jogo” e modificar o modelo econômico que atua no país, a começar pela interrupção imediata da remuneração ilegal da sobra de caixa dos bancos, para que os juros de mercado caiam e a poupança da sociedade, de cerca de R$ 1,5 trilhão atualmente, circule na economia, gerando emprego e renda.
Para tanto, o Congresso Nacional precisa rejeitar os infames projetos PL 3.877/2020, PL 9.248/2017, PLP 19/2019 e PLP 112/2019, conforme Interpelação Extrajudicial entregue, via Cartório de Títulos e Documentos, a todos os líderes na Câmara dos Deputados.
No âmbito da campanha “É Hora de Virar o Jogo”, já foi enviada Carta Aberta ao ministro Guedes questionando o que está por trás das insanas privatizações que ocorrem no Brasil.
Outra iniciativa da campanha terá lugar na próxima segunda-feira (1º), na abertura dos trabalhos do Congresso em 2021, quando será entregue Carta Aberta às autoridades dos poderes Legislativo e Executivo, contendo 25 questionamentos sobre a PEC 32, tendo em vista a ausência publicidade de dados essenciais; apresentação de dados distorcidos e argumentos errados, baseados em estudos encomendados ao Banco Mundial. Tudo isso mostra a vergonha que as destrutivas propostas (PEC 32 e 186) significam ao país, destruindo a estrutura do Estado sem justificativa técnica, legal, política ou ética que se sustente!
Esperamos que o Congresso Nacional rejeite completamente a PEC 32, a PEC 186 e o PL 3.877/2020, e diga não à ditadura do capital.
*Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.