Na terceira reportagem da série Brasil por um fio, elaborada pela equipe de comunicação do Sindjus/RS, apresentamos um breve panorama de como os cortes de recursos de políticas públicas estão afetando a população, aumentando a desigualdade e prejudicando o desenvolvimento social.
As políticas públicas são instrumentos para enfrentar problemas sistêmicos que atingem a população. O sucesso dessas impacta diretamente em melhorias de maneira abrangente. No Brasil, pode-se observar a diferença que programas estruturados em setores estratégicos representaram, com transformações significativas no cenário nacional, especialmente na área social.
A capacidade do Estado de promover investimentos públicos depende do aporte de recursos orçamentários. Nos últimos anos, entretanto, o país caminhou no sentido oposto. A partir da aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016, o Congresso permitiu o congelamento de recursos, desta forma inviabilizando a continuidade de uma série de programas que impulsionavam o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
O esvaziamento e a descontinuidade de importantes políticas públicas foram sentidos principalmente pela parcela mais carente da população brasileira e voltamos a vivenciar problemas que estavam praticamente superados.
De volta à fome
No início dos anos 2000, o recém eleito presidente Lula implantou um programa ousado com diversos eixos cujo objetivo principal era erradicar a fome, um problema histórico do país. O Bolsa Família, continuado durante os governos seguintes, garantiu uma renda mínima às famílias mais carentes com a contrapartida de que as crianças em idade escolar estivessem devidamente matriculadas, com frequência comprovada e esquema vacinal em dia.
Esses esforços levaram o país a obter em 2014 um reconhecimento internacional: sair do mapa da fome, segundo apontou relatório global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Conforme o levantamento, entre 2002 e 2013, a população em situação de subalimentação caiu em 82% e na análise do período compreendido entre 1990 e 2014, a queda foi de 84,7%.
Nos últimos anos, principalmente no governo Bolsonaro, o programa sofreu sucessivos cortes. Mesmo durante a pandemia de coronavírus, com o agravamento da crise, milhares de beneficiários foram excluídos, especialmente nas regiões norte e nordeste do país.
O resultado do sufocamento da rede de proteção social é desastroso: a fome atingiu 7,5 milhões de pessoas (somente entre 2018 e 2020) e a insegurança alimentar dobrou; atualmente, 49,6 milhões de brasileiros vivem situação de insegurança alimentar moderada ou grave. O país figura novamente no mapa da fome.
Agricultura
A agricultura familiar, setor responsável por alimentar o país (responde pela produção de aproximadamente 70% dos alimentos que chegam à mesa da população), foi alvo de profundos cortes de investimentos públicos no atual governo.
Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), o Orçamento da União para 2021 foi aprovado pelo Congresso Nacional com um corte de R$ 1,3 bilhão de subsídios do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o que representa praticamente 40% do previsto (R$ 3,3 bilhões).
Além disso, programas que viabilizariam auxílio para os trabalhadores do campo durante a pandemia também foram vetados pela atual gestão. Esse desfinanciamento impacta diretamente na subsistência das famílias que vivem da agricultura e, de maneira significativa, na economia dos pequenos municípios que dependem prioritariamente deste setor.
Habitação
Outra política pública essencial para a redução da desigualdade no país é a de moradia, objeto de ataque pelo atual governo. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, que buscaram enfrentar o déficit habitacional e incidir sobre famílias de baixa renda que não poderiam buscar financiamento imobiliário de outra forma, sofrem na atual gestão uma “morte por asfixia”. O orçamento de 2021 foi aprovado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com corte de 98% dos recursos destinados ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que financia as obras do programa.
Educação, Ciência e Tecnologia
Os cortes e desfinanciamentos são a marca de governos neoliberais que reduzem o papel do poder público e entregam a responsabilidade de setores essenciais para a iniciativa privada. Essa tendência diminui a capacidade do Estado de responder aos problemas da sociedade e implantar novas soluções, aumentando a dependência do país em relação a entes privados e aprofundando as desigualdades internas.
Desde o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, a pasta da Educação sofreu com troca de ministros, problemas de gestão e ataques à Universidade pública, inclusive com intervenções na autonomia das instituições e redução drástica de orçamento. A LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2021 impôs o corte de R$ 1 bilhão para as Universidades, o que impediu a continuidade de programas de extensão e assistência em diversos estados.
A situação de descaso com a educação ficou mais nítida após a pandemia. Enquanto a maioria das grandes nações apostou na aplicação de mais recursos para o setor com intuito de recuperar os prejuízos causados para o ensino, o Brasil foi um dos poucos países que não adotaram esta medida.
O abandono de áreas estratégicas para a soberania nacional, como a ciência e tecnologia, também é uma marca forte da escolha política do momento. Para se ter uma ideia do prejuízo, no ano de 2020, o governo federal investiu em ciência e tecnologia menos recursos do que aplicava em 2009 (O patamar em 2020 foi de R$ 17,2 bilhões ante R$ 19 bilhões há doze anos, em valores corrigidos pela inflação, segundo pesquisadora do Ipea), justamente no momento em que o setor seria decisivo para a condução da pandemia.
Não houve no mesmo período medidas concretas e efetivas para manter postos de trabalho, e atrasos na concessão do auxílio emergencial agravaram a situação de penúria de milhões de famílias. No caso da ausência de política de geração de emprego e renda, por exemplo, há um outro prejuízo, na medida em que a situação “desmobiliza a classe trabalhadora, que perde seu poder de barganha e fica refém das migalhas”, aponta o diretor de política e formação sindical do Sindjus, Marco Velleda.
Sem rumo
As ações e omissões governamentais sobre políticas públicas essenciais integram um plano maior de sucateamento e desmonte, que tentamos abordar ao longo das últimas semanas. Conforme as informações que trouxemos na série de reportagens sobre a destruição do Estado Brasileiro, o conjunto de reformas, privatizações e abandono de políticas públicas constitui um caminho que leva o país a retrocessos brutais em diversas áreas e ao retorno à condição de dependência e subserviência, com estagnação da economia e aumento das disparidades.
Apesar desse cenário, um dado alarmante contrasta com toda a conjuntura de declínio e mostra a quem interessa a ruína do Estado: no ano de 2021, o Brasil ganhou 42 novos bilionários. “Esse é o legado que os governos neoliberais deixam para o nosso país, a terra arrasada. Quando os interesses do capital vencem, o povo é sempre derrotado”, pontua Velleda.
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Na próxima semana, na última reportagem da série “Brasil por um fio”, vamos abordar como as políticas de cortes e destruição do Estado são noticiadas para a população e os prejuízos sociais da desinformação no Brasil.
Texto: Juliana Campani