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“Existe muita coisa que não te disseram na escola

Cota não é esmola

Experimenta nascer preto na favela, pra você ver

O que rola com preto e pobre não aparece na TV

Opressão, humilhação, preconceito

A gente sabe como termina quando começa desse jeito…”

Cota não é esmola, de Bia Ferreira

 

Mais de 500 anos de escravidão e colonização dos povos. Este é o modelo de país que nós não queremos e por isso lutamos para transformá-lo. São 135 anos de uma falsa abolição, pessoas ainda achando que têm direito de mandar em nossos corpos, achando, pela sua cor de pele, que são melhores do que nós, negras e negros. Por que ainda pensam que podem dizer onde podemos ou não podemos estar?

Afirmamos que cota não é esmola, porque estamos falando de reparações para nosso povo, previstas no Estatuto da Igualdade Racial, Lei – 12.288/2010, na Lei Federal – 12.711, de 29 de agosto de 2012 e Lei Federal – 12.990, de 09 de junho de 2014, nas Resoluções do CNJ – 203, DE 23 junho 2015 e resolução 336, DE 29 de setembro de 2020. Ainda que busquem reparação, sabemos, são medidas um pouco tímidas, especialmente no caso do Judiciário.

A população negra brasileira cresceu mais nos últimos anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2012 e 2021, o percentual de pessoas que se autodeclaram brancas caiu de 46,3% para 43%. De pessoas negras, para 47% (pretas, subiu de 7,4% para 9,1% E pardas, de 45,6%). Esta representação social é totalmente diferente quando se trata da Justiça brasileira.

Os dados da última pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)  evidenciam o quanto é necessário fazer este debate e enegrecer a justiça:

Percentual de negros e negras nos Tribunais do País:

Servidores negros(as) 30%

Servidores brancos(as) 68,3%

Magistrados(as) negros(as) 12%

Magistrados(as) brancos(as) 85,9% (pag. 57)

Em relação ao TJRS:

Servidores negros e negras: 4,2% (pag.61)

Magistrados negros e negras 1,9% (pag. 59).

Esta realidade mostra que devemos travar a fundo o debate não apenas sobre as cotas, mas sobre todas as formas de opressão que nós, negros e negras, sofremos num judiciário com o recorte branco e patriarcal. Que opera para os seus. Que é garantista em relação aos brancos e punitivista em relação aos negros. Quando afirmamos que é preciso enegrecer a justiça, é porque temos o dever de superar esta realidade.

O Judiciário brasileiro, por ser um poder hierárquico e pelo seu processo histórico é um dos pilares institucionais do racismo estrutural, entranhado em sua composição, nas relações de poder que se estabelecem interna e externamente, de maneira mais ou menos explícita no escopo da maioria de suas decisões. Esta correlação de forças ainda impacta fortemente nas profundas desigualdades sociais, com a negação de oportunidades e de  acesso a direitos para o povo negro em todos os aspectos da vida.    

Mudar este cenário passa necessariamente por uma drástica alteração no perfil de quem atua no Poder Judiciário, e a política de cotas para ingresso de pessoas negras não é a única solução, mas parte fundamental desta mudança. Por isso, nós do Coletivo Pela Igualdade Racial do Sindjus (CIRS), queremos colocar este debate como prioritário em nossa categoria, mas também estender essa discussão para fora dos limites de nossa instituição, a fim de intensificar e potencializar o resultado de nossas ações na busca de uma verdadeira transformação social.

Mas é imprescindível que a categoria passe a discutir, com profundidade, de que lado pretende estar nos próximos anos. Se ao lado do racismo e de mais exclusão de negros e negras, ou ao lado da reparação histórica que as sociedades européias devem a esta população que construiu esse país, as duras penas do açoite, do estupro, da negação a educação e ao trabalho digno. Sem acesso a habitação e, no judiciário, julgados e sentenciados como culpados, mesmo antes de qualquer análise séria.

Com certeza, Cota Não É Esmola, mas o inicio da quebra do racismo estrutural e institucional brasileiro para negras e negros, é sim a transformação social efetiva.