Qualquer pessoa minimamente preocupada com os problemas que o Brasil atravessa no momento em função da pandemia do coronavírus tem buscado acompanhar o andamento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, criada para apurar problemas e responsabilidades na condução da situação no país.
O que foi apresentado por meio dos depoimentos à CPI até agora deixa claro que o cenário caótico foi fruto de uma escolha estratégica do governo federal, guiado por pseudoespecialistas em detrimento da ciência e das recomendações sanitárias. Ausência de políticas públicas sérias e consistentes no tratamento da questão, atrasos deliberados nas tratativas para aquisição de vacinas e apostas irresponsáveis em medicamentos sem eficácia comprovada são alguns dos fatores que contribuíram para agravar expressivamente o caos na saúde e o avanço desenfreado da pandemia.
Sabemos, graças ao que já foi apurado, que o governo brasileiro recusou dezenas de ofertas de vacinas, não permitiu autonomia técnica do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia, insistiu na inserção de tratamentos farmacológicos ineficazes e não liderou um diálogo necessário entre os entes da federação a fim de alinhar ações. A ideologização na tomada de decisões que deveriam seguir critérios técnicos e a perseguição política a adversários, aliada a demonstrações públicas de desprezo pelas normas básicas de segurança e redução de risco de contágio através da participação e de incentivo a aglomerações fazem do Presidente da República um promotor do negacionismo e da disseminação do coronavírus. Desde o início da pandemia, a autoridade máxima da nação age no sentido contrário da postura esperada.
Constata-se, portanto, que o quadro crítico em que situa-se o Brasil, segundo em mortes pela Covid-19 no mundo, não foi resultado de incompetência ou falta de capacidade. É um projeto. A maior parte das diretrizes do governo claramente obedece à pressão de setores do mercado, para os quais a vida humana pouco importa, sendo tratada como mão de obra descartável e substituível. Não por menos, em recente pronunciamento, o presidente da República celebrou o momento da economia brasileira, destacando números que indicam crescimento e ignorando os números verdadeiramente importantes: os mais de 480 mil brasileiros que perderam a vida pela covid-19. Uma marca trágica e que causa ainda mais revolta quando consideramos que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas caso o governo federal tivesse agido contra o vírus e não em favor dele.
Enquanto sepultamos entes queridos e aguardamos nosso lugar na atrasada e morosa fila da vacina no Brasil, acompanhamos notícias de que o mundo já começa a respirar aliviado, com países que conseguiram imunizar grande parte de suas populações e restabelecer o caminho para a normalidade. E o que vemos agora escancarado da investigação do Senado aponta que o pesadelo não parece próximo do fim. Cada um dos 81 e-mails não respondidos à Pfizer representam quase 6 mil vidas ceifadas pela inação.
Diante desses fatos e dessa tragédia cuja responsabilidade tem nome e sobrenome, nossa indignação não pode esperar. No próximo sábado, 19 de junho, vamos novamente às ruas para mostrar nossa cara, com máscara e medidas de segurança, mas sem fugir da luta. A força do povo na resistência contra o desgoverno que mata e arrasta o Brasil para uma tragédia sem precedentes. Nosso grito de dor e revolta não pode mais ser sufocado; ele deve ser combustível para nossa luta em defesa da vida e contra os desmandos da necropolítica, tão nefasta quanto o vírus que assola o país.