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“Passa a pimenta pra ele”, “Está solteiro? Tem gente perguntando aqui”, essas foram algumas frases que repercutiram muito nesses dias pela internet, devido ao reality show de repercussão nacional que está sendo televisionado. Desconsiderando sua opinião pessoal sobre esse programa ser relevante ou não para a cultura do país, peço que se atenha a essa situação específica. O que há demais nessas frases? É que elas foram dirigidas para uma travesti que está participando desse reality

Travesti é uma identidade feminina, portanto não cabe se referir a travestis com pronomes masculinos. Mas ainda é possível pensar que talvez foram apenas pequenos equívocos, não é? As pessoas se confundem às vezes. Ocorre que esta participante, a atriz e cantora Linn da Quebrada, tem uma tatuagem na testa escrito “ELA”. Então, afinal, qual seria o motivo de terem chamado ela no masculino? Precisamos refletir mais sobre isso para evitar cair num show de horrores motivados pela transfobia.

Dia 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais. Essa data marca o dia em que mulheres trans e travestis como Fernanda Benvenutty, Jovana Baby, Kátia Tapety, Keila Simpson, dentre outras historicamente relevantes, foram até Brasília, em 2004, e lançaram a campanha “Travesti e Respeito”

Considerando o tanto de descaso e transfobia que há no Brasil, atestado por dados de violência extrema expostos pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e pela ONG Internacional Transgender Europe, o lançamento daquela campanha junto ao Congresso Nacional foi um marco e serve para sempre trazer reflexões e propor ações para mudar esse cenário de descaso e vulnerabilidade com a população trans.

E nós, enquanto servidores, magistrados, estagiários e trabalhadores em geral, o que temos com isso? Ocorre que temos como dever atender bem todas as pessoas que recorrem aos serviços do Poder Judiciário, o que, por óbvio, inclui a população de pessoas trans. 

Isso é tão verdade que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem editando resoluções em relação ao tratamento digno de pessoas LGBTI – sigla utilizada pelo CNJ -, as quais a população trans faz parte. Destaco a Resolução n° 348/2020, que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo, o que se estende a outras a outras formas de orientação sexual, identidade e expressões de gênero diversas da cisgeneridade e da heterossexualidade, nos termos do documento. 

Para quem ainda tem dúvidas sobre os termos, a Resolução n° 348/2020-CNJ traz um glossário muito pertinente com o que significa ser uma pessoa mulher trans, um homem trans, uma travesti etc. 

Conforme essa Resolução, por exemplo, caso uma pessoa se autodeclare como uma travesti e se apresente com um nome diverso da documentação de identidade (nome social), em qualquer fase da persecução penal, desde o primeiro atendimento até o cumprimento de eventual pena, ela deve ter garantida todo o tratamento dispensado a pessoas com identidade feminina, como ocorre com as mulheres cisgêneras nas mesmas condições. 

Enquanto magistrados e serventuários da Justiça, não há como alegar desconhecimento  do assunto, como dito, já faz parte do ordenamento jurídico nacional por meio de jurisprudência e normativas diversas, e se eximir da responsabilidade de garantir um tratamento digno e respeitoso a pessoas da população LGBTQIAP+, em especial das travestis e demais pessoas trans. 

A dignidade da pessoa humana, princípio constitucional elevado a fundamento da República Federativa do Brasil, deve ser observada por nós, em tudo o que fizermos, principalmente no trato com as pessoas a quem atendemos, ainda que essa pessoa não tenha uma tatuagem na testa indicando como deve ser tratada.

* VITÓRIA ALVES FIDELIS é servidora do Tribunal de Justiça do RS (TJRS) e integrante do Coletivo Diversa.

 

Referências:

Resolução Nº 366 de 20/01/2021 – Altera a Resolução CNJ nº 348/2020, que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. 

BENEVIDES, Bruna G e NOGUEIRA Sayonara N. B. (Orgs). Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 – São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021 136p.

MPSP – Rede de Valorização da Diversidade. Disponível em <http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show?_docname=2677347.PDF>