A assistente social Cleonice Cougo iniciou sua trajetória no Judiciário gaúcho em 1990, mas a luta sindical já fazia parte de sua vida. Antes de ingressar na Justiça estadual, atuou na rede municipal de assistência social, vinculada à prefeitura de Porto Alegre, e lá acompanhou e participou do processo de transição (após a promulgação da Constituição de 1988) da Associação de Municipários (AMPA) para o Sindicato dos Municipários (SIMPA) da capital.
A convite do GTASS e para marcar o dia do Assistente Social, a servidora, hoje aposentada, traz relatos importantes sobre sua participação na luta sindical e na organização dos trabalhadores e trabalhadoras do Judiciário gaúcho. Confira a entrevista.
Como foi a tua participação no movimento de redemocratização e na luta sindical no Judiciário? Podes falar um pouco sobre a tua atuação como vice e depois presidenta da entidade?
Entrei no Judiciário em 1990, mas posso falar da minha participação enquanto municipária, como assistente social da Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social. Participava ativamente da associação de funcionários da saúde e ajudei a criar a AMPA – Associação dos Municipários. Lá participamos ativamente da luta para conquistar o direito dos trabalhadores públicos terem um sindicato. Quando a Constituição de 88 foi promulgada, para nós foi no fluxo que a AMPA seria transformada em SIMPA. Foi numa assembleia em que festejamos muito essa vitória.
Quando cheguei no Judiciário em 1990, percebi que ali o processo tinha sido diferente. Existia a ASJ, uma associação forte, com bens, e tinha o Sindjus, que era uma entidade frágil, e as duas tinham a mesma direção.
Naquele ano, logo que cheguei, tinha alguns movimentos no Foro Central para discutir as questões e as lutas dos trabalhadores. As assistentes sociais da Vara de Execução criminal, onde fui lotada, por saberem do meu histórico junto ao movimento sindical na prefeitura, me indicaram para representar.
Nas primeiras reuniões, me deparei com duas situações, uma bem diferente da que eu vinha, em que a maioria das pessoas na reunião não se consideravam trabalhadores. Eles eram ‘servidores’, e as lutas eram muito pautadas em ‘se meu juiz ia concordar’, se eu ‘seria liberada pelo juiz’. Essa era uma fala muito comum dentro das propostas de qualquer enfrentamento.
Mas também percebi – e logo me alinhei – com alguns companheiros, num número bem menor, mas que tinham uma visão do que era fazer um sindicato, de como se lutava, quais eram seus direitos e que não podiam estar pautados pela autorização ou não de um magistrado. E aí imediatamente fui me aproximando dessas pessoas. E começamos um movimento diferente no Foro Central.
Esse grupo foi se reconhecendo nas lutas. Foram se encontrando algumas vozes no Foro Central, nos foros regionais, no TJ, no Tribunal de Alçada e no interior. Essas vozes que foram se reconhecendo na eleição escolheram fazer uma chapa e apresentar uma proposta diferente para a categoria. E nessa formação, a Lúcia Caiaffo foi escolhida como presidente, eu saí como vice, e tivemos uma chapa com companheiros de muita luta, pessoas muito comprometidas com as questões da categoria. Saímos vitoriosos dessa eleição e quando assumimos o Sindjus, recebemos tudo que era seu: um livro de atas e duas funcionárias. A sede era alugada, os móveis eram da ASJ, o telefone era alugado, era uma sede muito pequeninha que não dava para reunir na sala toda a diretoria. As primeiras reuniões enquanto estivemos naquela sede, nós tínhamos que ficar com a porta do corredor aberta, e era a sala da diretoria, a recepção. Mas aquilo só nos deu fôlego para construir um sindicato diferente. Tivemos que dispensar imediatamente uma das funcionárias porque o gasto era muito grande e a renda era muito pequena, porque o número de sindicalizados era muito pequeno naquele momento. E definimos ali que o Sindjus seria um grande sindicato.
E começamos indo pro interior, visitando de comarca em comarca, de ônibus, fazendo viagens muito longas e entre uma comarca e outra não tinha muitas vezes ônibus direto ou os horários eram muito espaçados, mas aquilo nunca nos parou. Nós precisávamos ter um canal de comunicação com a categoria. Nós não tínhamos dinheiro para contratar um assessor de comunicação, então nós fizemos o nosso jornal. Nós escrevíamos as matérias, montávamos os bonecos, revisávamos a impressão, e assim foram surgindo as nossas campanhas. Muitos dos nossos colegas faziam os nossos cartazes, desenhavam, faziam as artes, e nós fomos nos constituindo, e assim nós fomos indo a cada local. Em muitos deles, logo que nós chegávamos, havia uma estranheza, as pessoas não se consideravam trabalhadores, e quando a gente fazia essa referência eles nos diziam que eram servidores. Nossa, falar em CUT era algo muito proibido e cada vez que nós falávamos em alguns lugares a gente percebia o mal-estar, mas começamos com a reflexão. Nós sabíamos que aquele caminho era muito importante e que tinha que ser feito com firmeza. E nesses espaços e nessas discussões, se muitos estranhavam, muitos colegas também começaram a ter voz. E aí foi se fortalecendo, e o número de sindicalizações foi crescendo, e a participação nas assembleias foi ficando forte, e nós construímos, sim, um sindicato de luta, e é o Sindjus hoje, eu tenho muito orgulho de ter participado do início dessa construção. (Sobre ser presidenta e vice) Isso era um nome, um cargo, porque nós fizemos em grupo. Infelizmente, num determinado momento, nós tivemos uma discordância na forma de conduzir o sindicato, e na assembleia, a presidenta teve um impedimento e eu assumi, mas volto a dizer, era um grupo, e um sindicato se faz assim. Tu pode e precisa, dentro da nominata, tanto é que hoje o Sindjus tem coordenação, não tem mais presidente, porque foi a força de muitos e muitos trabalhadores que fizeram a construção desse espaço, que deram esse pontapé inicial, e muitos e muitos continuam essa história depois desses mais de 30 anos.
Essa atuação eu definiria assim: é uma atuação de achar que é um grupo. Não é um presidente, não é um vice. É um grupo que faz uma entidade ser o que ela é.
Como se deu a articulação com as demais assistentes sociais do quadro? Que demandas e carências foram identificadas nesse processo?
A articulação foi natural. Nós já participávamos do GASJ (grupo das assistentes sociais judiciárias), se tinha esse espaço de discussão entre as assistentes sociais, e a articulação iniciou antes das eleições, muitas assistentes sociais do estado vinham participando das discussões propostas pela atual diretoria e buscando fazer um sindicato de luta. Na campanha, muitas participaram ativamente e nós tivemos assistentes sociais como membros da comissão eleitoral.
Na nossa gestão, éramos três assistentes sociais, a Neide Maria Fontana, a Maria Inês Stumpf e eu. Através do GAJ, desde o início, levamos a discussão da importância de estarmos engajadas enquanto trabalhadoras e trabalhadores no movimento sindical. Discutia-se muito as estratégias para contribuirmos na organização em cada local de trabalho e nosso compromisso com a população que atendíamos e com a sociedade. Na nossa gestão procuramos construir uma interlocução. Sempre tivemos espaço no GASJ e através do GASJ, para levar as questões amplas para a discussão com a categoria (das AS) e sempre a categoria teve voz pra levar suas especificidades, suas demandas e carências junto à direção.
Quais eram as principais bandeiras de luta?
As principais bandeiras de luta eram as bandeiras dos trabalhadores e trabalhadoras do Judiciário: valorização e melhores condições de trabalho, a questão salarial, o plano de carreira, a carga horária, entre outras. As específicas das assistentes sociais são respeito ao trabalho técnico, o espaço de trabalho salubre, ferramentas que permitissem qualificar os atendimentos, salas apropriadas, material, veículo para deslocamento.
Foram momentos muito importantes para a categoria das assistentes sociais. Ter esse espaço em que não tinha nenhuma diferenciação entre trabalhadores e trabalhadoras, éramos a categoria dos trabalhadores e trabalhadores do Judiciário, e cada uma com suas especificidades, como os oficiais de Justiça, oficiais escreventes, escrivães.
Como tu percebes hoje essa interlocução entre essa categoria e a atividade sindical? O que poderia ser diferente?
Estou aposentada há alguns anos, mas continuo acompanhando o movimento, não tão ativamente, mas procurando estar presente. Nesses últimos anos, fui percebendo um grupo significativo de assistentes sociais que se manteve participativo. Digo grupo, pois somos trabalhadores e trabalhadoras do Judiciário, e assim como oficiais escreventes, oficiais de Justiça, etc, são vários os pontos de vista dentro do grupo de assistentes sociais.
O que fui percebendo nesses anos é que nas gestões que tiveram bandeiras de luta e trabalharam em defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores do Judiciário, que trabalharam na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, a participação das assistentes sociais foi mais ativa. Em algumas gestões tivemos assistentes sociais na direção, na coordenação. Atualmente, temos a Maíz, que é uma companheira que eu admiro muito e fiquei muito feliz quando vi ela compondo essa coordenação. Atualmente, minha percepção é que essa última greve aproximou muito as assistentes sociais do sindicato. Estavam há muito tempo afastadas. Trouxe de volta a categoria para a luta. Essa atual coordenação proporcionou um canal de interlocução muito importante que é o GTASS. É uma ponte. Esse espaço, sem dúvida, já está fazendo total diferença. Muitas assistentes sociais voltaram a participar ativamente das discussões coletivas, e pelo que eu tenho acompanhado, foi esse grupo que puxou por exemplo a organização e os protocolos do serviço social judiciário em tempos de pandemia. Então a minha percepção é que nós estamos em um momento muito propício para criar cada vez mais um sindicato de lutas, um sindicato forte, e eu fico muito feliz com isso.
Quando fui convidada a falar um pouquinho da história das assistentes sociais do Judiciário no movimento sindical, isso me fez voltar no tempo, ter muitas lembranças, perceber o sindicato do início dos anos 90, que é quando entrei no Judiciário, e ver essa atual coordenação, o quanto nós crescemos, o quanto nós nos constituímos como um sindicato de luta e um sindicato apra todos. Parabéns a todos os trabalhadores e trabalhadoras que vêm construindo essa história e minha admiração e honra a essa atual coordenação que está buscando a cada dia trabalhar para que esse sindicato seja um sindicato não dessa ou daquela função, mas que seja para todos, com espaço para suas especificidades.
Imagens do arquivo do Sindjus/RS:
Cleonice na galeria dos coordenadores
Servidores e sindicalistas.
Várias assistentes sociais participaram das gestões do Sindicato:
Cleonice Salomão Cougo
Rosana Karan
Vânea Vieniewski
Cedile Maria Frare Greggianin
Maria Inez Stumpf
Catarina Amaral
Liara Kruger
Neide Fontana