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Gera grande preocupação para todos os servidores e servidoras do Judiciário e, sobretudo, à sociedade destinatária dos serviços públicos, o avanço da estagiarização no serviço público e outros projetos em curso nos serviços da Justiça que aumentam a precarização da mão de obra e consequentemente colocam em risco os concursos públicos. O estágio, por sua natureza legal, deve fazer parte do projeto pedagógico da formação do indivíduo, integrando o itinerário formativo do educando. Todavia, na prática, sabemos que os estagiários, que atuam muito nas unidades judiciais, acabam cumprindo outro papel no mundo do trabalho.

Nessa conjuntura, chamou a atenção na última quarta-feira (14) a  determinação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) autorizando a transformação de 1.247 vagas de estágio de graduação em vagas de pós-graduação. Importante dizer que não se trata da criação de mais vagas, mas sim a transformação de uma vaga de estagiário de nível superior existente em vaga de estágio de pós-graduação. A medida vai ao encontro da perspectiva de substituição do trabalho exercido por servidores concursados no âmbito dos tribunais por modalidades de contratação distintas do concurso público que, via de regra, submetem os trabalhadores e as trabalhadoras a mais precarização nas suas funções.

Na esteira da estagiarização, assim como na terceirização, vemos uma tendência de diminuição do número de servidores concursados que avança no Judiciário em diversos estados, o que é prejudicial ao atendimento à sociedade destinatária dos serviços públicos. Muito embora no Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul as despesas com a remuneração de estagiários provenham de rubrica distinta da dos servidores, via Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário (FRPJ), o avanço da exigência de graduação para essas tarefas e o excessivo número de estagiários, alinhadas à progressiva implementação da lógica privatista e neoliberal nos serviços públicos, deixam em alerta não somente os atuais servidores como aqueles que pretendem ingressar nos cargos através do concurso.

Esse projeto implementado pelo TJRS tem sua origem no chamada Residência Jurídica, autorizada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução nº 439/2022, que consiste em um programa de estágio destinado a bacharéis em Direito que cursem especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado ou tenham concluído o curso de graduação há no máximo cinco anos. A  “bolsa auxílio” oferecida aos estagiários de pós-graduação é de R$ 9,61 por hora, com carga máxima de 30 horas semanais, o que totalizaria R$ 1.153,20, que acrescidos de vale-transporte e vale-alimentação totalizam cerca de R$ 2.075,00 ao mês.

Desse modo, com a Residência Jurídica, abre-se mais uma porta para o ingresso de trabalhadores não concursados na esfera dos serviços públicos, um contingente que já inclui terceirizados, além dos estagiários de nível médio e superior. Trata-se na nossa visão de uma espécie de antecipação da reforma administrativam que imprime uma gestão empresarial e privatista no serviço público, o que criticamos e combatemos, pois o serviço público não pode ser visto como uma empresa. Lidamos com seres humanos e seus dramas pessoais, e os serviços da Justiça não podem se basear em uma visão de gestão privatista da máquina pública, tampouco que seja exclusivamente meritocrática ou produtivista.

Não é de hoje que essa crescente do número de estagiários nos serviços do TJRS vem trazendo preocupação a todos nós que somos defensores dos concursos públicos e da prestação de um serviço de qualidade à sociedade. No TJRS, temos atualmente 8.125 servidores ativos para 4.256 estagiários, número que ultrapassa o limite previsto pela legislação vigente. De acordo com a Lei Federal nº 11.788/2008 e o Decreto Estadual nº 49.727/2012, o limite de estagiários no contexto do Judiciário gaúcho não poderia ultrapassar 20% em relação ao número de servidores efetivos. 

Oportuno aqui destacar que o TJRS igualmente não observa outra determinação que concerne ao número de servidores efetivos que devem ocupar os cargos comissionados na administração pública. Segundo relatório do Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos (Dieese), produzido em 2021, pouco mais de 10% de servidores efetivos ocupam atualmente cargos comissionados no TJRS, quando esse percentual deveria ser de no mínimo 20% (artigo 10, §4º, da Lei nº 11.291/98), o que revela a desvalorização do nosso quadro funcional e do instituto do concurso público, uma vez que esses cargos comissionados recebem muitas vezes um salário até maior do que o de muitos cargos efetivos. 

Já faz algum tempo que o Judiciário brasileiro, bem como toda a administração pública, é alvo de projetos privatistas neoliberais. O que estamos vivenciando enquanto classe trabalhadora, e que faz parte desse assustador cenário de arrocho salarial e retirada de direitos, remonta às diretrizes do capital transnacional. O Banco Mundial, em 1996, publicou o Documento nº 319, denominado “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para Reforma”. Nele, está exposta não apenas a criação de mecanismos e órgãos que imprimam ao Poder Judiciário a lógica da gestão empresarial, como também indica a necessidade de enxugamento da estrutura judicial. É o que tem sido implementado ao longo dos últimos anos.

Na prática, a crescente estagiarização e as terceirizações têm redundado em mão de obra mais barata e precarizada, que muitas vezes não possui um vislumbre de futuro. Sabemos das limitações impostas pela legislação vigente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Teto de Gastos e o Regime de Recuperação Fiscal. Todavia, somos críticos desse arcabouço legal que estrangula o estado, penaliza os serviços, os servidores públicos e a sociedade que cada vez tem menos acesso à educação, à saúde, à justiça e a toda uma gama de serviços públicos, mantendo-se políticas que beneficiam o grande capital especulativo e que promovem concentração de renda, aumento das desigualdades sociais, não induzem o desenvolvimento econômico e reduzem diariamente o poder de compra da classe trabalhadora.

O debate sobre o avanço da terceirização, a estagiarização e de projetos como o do estágio de pós-graduação na administração pública é urgente e necessário. Mas essa, como tantas outras, é uma tarefa de toda a classe trabalhadora. Precisamos fortalecer os concursos públicos como forma basilar de ingresso na administração pública, assim como não podemos aceitar que avancem outros projetos em curso que visem a retirar o que nos restam de direitos como pretende a reforma administrativa, a exemplo das recentes reformas levadas a cabo pelos governos estaduais e federal. Agora é hora de somarmos forças, resistirmos para reconstruir o que foi destruído e avançar na conquista de direitos.

Fabiano Zalazar

Secretário-Geral Sindjus/RS 

 

Notas:

¹ https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/poder-judiciario-gaucho-aumenta-o-numero-de-vagas-de-estagio-para-estudantes-de-pos-graduacao/

² https://atos.cnj.jus.br/files/original1308022022011161dd8132e370e.pdf

³ https://transparencia.tjrs.jus.br/forca_trabalho/index.php

4 https://sintrajufe.org.br/ultimas-noticias-detalhe/efeitos-futuros-da-pec-32-2020-no-presente-no-tj-rs-9-em-cada-10-ocupantes-de-cargo-em-comissao-nao-sao-concursados/

5 https://www.anamatra.org.br/attachments/article/24400/00003439.pdf