A década de 1990, apesar da abertura democrática e dos termos da Constituição, foi de amplo desmanche do sistema de proteção social. Segundo o DIEESE, entre 1990 e 1995, o salário mínimo passou a ter ¼ do valor que tinha em julho de 1940. Vários direitos trabalhistas foram suprimidos, houve aprovação da lei do apelidao “banco de horas”; a terceirização foi incentivada através da súmula 331 do TST. A chegada do PT ao poder, em 2002, não implicou mudanças estruturais capazes de alterar essa lógica, embora algumas conquistas importantes tenham ocorrido. A questão é que a ausência de uma mudança mais profunda, especialmente voltada à educação básica e ao uso crítico dos meios de comunicação, revelou o esgotamento do modelo de inclusão por consumo, especialmente através das insurgências de 2013. O fato de o governo haver reagido a essas insurgências com repressão intensa revela a manutenção de uma lógica de privilégio ao capital e de aposta em exclusão social, ou seja, revela uma vez mais que o Estado tem lado e esse lado não é o da classe trabalhadora. A partir de então, inclusive com a cooptação dessas insatisfações pelas forças conservadoras, a ruptura democrática estava claramente desenhada, e teve como um de seus momentos emblemáticos a sessão machista e distópica de impeachment sem prova de crime de responsabilidade, que afastou Dilma do poder em 2016. Iniciamos ali um período de completo desmanche da frágil estrutura de Estado Social que tentamos construir a partir de 1988. A extinção do imposto sindical implicou perda de arrecadação de cerca de 85% para os sindicatos de trabalhadores, em 2018, ano em que o discurso de violência e hostilidade aos movimentos sociais tornou-se oficial. Diante de um quadro tão adverso, o movimento sindical sem dúvida precisa compreender o momento histórico e pensar criticamente possibilidades de luta que contestem as bases da estrutura social. É urgente construir novas fórmulas de mobilização: greves transversais, em que diferentes categorias se apoiem, que envolvam terceirizados e desempregados. Greves que efetivamente impeçam o capital de funcionar normalmente, que utilizem novas tecnologias e que apostem em uma comunicação que atinja também quem ainda acredita que tudo está bem no país. É preciso superar o conceito de categoria profissional. E, claro, reconhecer a importância de pautas identitárias, sua íntima ligação à questão central da luta de classes em uma sociedade capitalista. O movimento sindical não está condenado ao fracasso. Ao contrário, em momentos de crise aguda, em que até mesmo a democracia é questionada como fórmula razoável de pacto social, é preciso tornar ainda mais radical e efetivo o discurso e a prática que propugnem formas de convívio para além do capital. E essas formas, assim como os sindicatos, são necessariamente coletivas. Esse é o ponto central: lutar sozinho nunca funcionou. O capital se move de forma coletiva e transnacional. A classe trabalhadora também. Os movimentos sindicais e identitários precisam encontrar uma luta que os una e essa luta, sem dúvida alguma, é aquela cujo horizonte seja a superação da sociedade capitalista.
Valdete Souto Severo, juíza do trabalho, presidenta da Associação Juízes pela Democracia (AJD)