Criada em 1961 por Leonel Brizola, a CEEE está em processo avançado de privatização e as gaúchas e gaúchos correm o risco de ver, em breve, as consequências do monopólio privado dos serviços públicos essenciais, como é o caso da energia. Atualmente a CEEE é dividida em CEEE-D, responsável pela distribuição, e CEEE-GT, responsável pela transmissão e geração de energia elétrica.
A previsão do governo do Estado é que o edital de privatização da CEEE-D seja lançado agora em dezembro e o leilão realizado no início de 2021. Mas quanto vale para o povo gaúcho abrir mão de uma infraestrutura energética com segurança e comprometida com o crescimento econômico e social sustentável do Estado?
As consequências do discurso privatista em setores essenciais está sendo demonstrada no Amapá. A grave crise energética, que se arrastou por 22 dias (de 3 a 23 de novembro) e ainda tem graves reflexos, foi causada por um incêndio em uma subestação em Macapá, capital do estado. No entanto, a empresa privada Gemini Energy não contava com um transformador reserva e precisou ser socorrida pela Eletronorte, subsidiária da empresa pública Eletrobrás, que Jair Bolsonaro também quer vender.
A privatização da CEEE, aprovada em julho de 2019 pela Assembleia Legislativa, pode levar o controle energético do Estado do RS para as mãos de investidores estrangeiros. Isso porque a chinesa State Grid está investindo muito forte no setor energético. Proprietária de 94,8% do capital da CPFL Energia, empresa que comanda a RGE e a AES Sul Energia, e que já manifestou interesse em adquirir a distribuição da CEEE.
Plebiscito
Também é importante lembrar que foi negado o direito constitucional do povo gaúcho participar de um plebiscito para decidir sobre a privatização, já que com o apoio dos deputados da direita foram suprimidos da Constituição Estadual os artigos que determinavam a realização da consulta, um dos últimos mecanismos de democracia direta ainda vigentes na legislação gaúcha.
Da mesma forma, o grave desequilíbrio econômico e financeiro da CEEE foram agravados pela privatização irresponsável promovida pelo governo do então PMDB de Antônio Britto (nunca foi investigada), vendendo dois terços da área de distribuição da companhia de energia, gerando impacto de perda da receitas, mas que manteve quase 88% do passivo com a empresa estatal. Ou seja, sai parte significativa da receita, ficam as dívidas.
Apesar de inúmeros caminhos e alternativas apontadas por técnicos para solucionar as dificuldades da estatal, os últimos governos (Sartori, do MDB; Leite, do PSDB) optaram pela omissão, por desconsiderar as possibilidades apresentadas, não tentar resolver a crise financeira, e sustentar o discurso da falta de opções, tornando a decisão de privatizar a CEEE uma questão puramente ideológica e entreguista, conforme sustenta o ex-presidente da Companhia, Gerson Carrion, em recente entrevista à União Gaúcha.
Reestatização no mundo
Outro ponto importante é que a privatização de empresas que prestam serviços essenciais à população está na contramão das iniciativas de reestatização ou remunicipalização, que estão sendo adotadas em diversos locais, inclusive, em países reconhecidamente capitalistas como Alemanha e Estados Unidos.
Segundo estudo do Transnational Institute (TNI), com sede na Holanda, de 2000 a 2017, foram identificados 835 casos, sendo que 17% aconteceram na primeira metade do período pesquisado, e 83% de 2009 a 2017, confirmando a tendência. Dos casos monitorados no período, 311 estão relacionados à área de energia, sendo 90% deles na Alemanha.
Mas o que motivou a reestatização dos serviços? A incompatibilidade do papel social da prestação de serviços básicos com a priorização de lucros das empresas. Entre as motivações, o estudo identificou serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes. Realidade que o RS conheceu de perto, como o caso da concessão das estradas.
De tempos em tempos voltamos a escutar o mesmo discurso: vender patrimônio para equilibrar as contas públicas. Recentemente foi incorporado um novo mantra: “que o importante é ter acesso ao serviço”. Mas quanto o povo vai pagar a mais por isso? Qual será a qualidade desse serviço? Quem vai garantir a prestação e fiscalizar? Para onde será destinado o dinheiro da venda?
Sobram perguntas e faltam respostas. Por isso é preciso que a sociedade gaúcha seja alertada para o iminente risco de entregarmos nosso patrimônio para um monopólio privado, com grave risco para a nossa matriz energética e sem garantias de prestação. O governo do Estado precisa ser pressionado pela sociedade para que recue e respeite o patrimônio do povo do Rio Grande do Sul. Não queremos repetir a tragédia enfrentada pelo povo do Amapá!